Coluna de Afa Neto:MANTENHA DISTÂNCIA. #compartilhelsp
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Coluna de Afa Neto:MANTENHA DISTÂNCIA. #compartilhelsp

Coluna de Afa Neto:MANTENHA DISTÂNCIA. #compartilhelsp

Coluna de Afa Neto:MANTENHA DISTÂNCIA. #compartilhelsp


Carros de porte maior costumam trazer a inscrição “Mantenha Distância” para alertar outros motoristas dos perigos de trafegar muito próximo ao carro da frente. Mas suspeito que esse alerta nasceu no universo religioso. Ele expressa com perfeição as preocupações assépticas dos religiosos para com os diferentes. É só voltar os olhos para qualquer época e verás religiosos condenando ao limbo aqueles que não partilham de sua visão de mundo. Até mesmo experiências de fé que nasceram com a vocação de romper com essa sina acabam, com o passar dos anos, caindo no mesmo erro. Tem sido assim com o Cristianismo. Os capítulos 10 e 11 do livro de Atos dos Apóstolos narram a conversão do primeiro não judeu (chamado de gentio) à fé cristã e a primeira conversão de um cristão ao Evangelho. No primeiro caso o personagem atende pelo nome de Cornélio e no segundo por Pedro (o apóstolo). Passado não muito tempo nós nos esquecemos do segundo movimento e ficamos com o primeiro. Ou seja: passamos a rodar o mundo para fazer um prosélito para a nossa expressão de fé sem nos perguntar se, na verdade, já nos convertemos ao Evangelho. E o resultado é o que vemos aí. Bilhões de cristãos seguros de sua fé e bem poucos deles realmente convertidos ao Evangelho do Galileu. É que a conversão ao Evangelho é um parto e, como tal, não é indolor. Mas voltemos à narrativa bíblica. Pedro, um judeu de nascimento e mesmo naquele momento, zeloso dos costumes da religiosidade judaica, depara-se com os limites de qualquer religião: como lidar com o “outro” (entenda-se o “Outro” como o diferente). Antes que o apóstolo lance mão das soluções costumeiras vem o inusitado. Numa visão em êxtase ele tem todos os seus pressupostos questionados. A velha fórmula religiosa de dividir o mundo entre o santo e o profano, entre os puros e os impuros, entre os perdidos e os salvos, cai por terra na fala divina: “não chames impuro ao que Deus purificou”. Naquele instante deve ter passado em sua mente imagens de não muito tempo atrás vividas pelo seu Mestre. As refeições em casas de publicanos, as conversas com prostitutas ao meio dia, a cena desconcertante de uma prostituta lavando os pés do seu Mestre e os enxugando com os próprios cabelos. De repente o principal apóstolo descobriu a distância abissal entre ser cristão e ser convertido ao evangelho. Sem pestanejar seguiu caminho para Cesaréia para encontrar-se com Cornélio. Chegando ao seu destino entrou na casa de um gentio e fez uma refeição com ele. E foi aí que “o bicho pegou”. Se você já leu a narrativa deve se lembrar que a comunidade cristã sediada em Jerusalem não vê problema algum em Pedro andar por terras de estrangeiros e tentar converte-los à fé cristã. O problema é expresso nas palavras do verso 3 do capítulo 11 “você entrou na casa de homens incircuncisos e comeu com eles”. A julgar pelo significado que tinha na cultura judaica do primeiro século o fato de entrar na casa de alguém e ainda mais fazer uma refeição com ele, podemos suspeitar do que aquela comunidade desejava: MANTENHA DISTÂNCIA. Proclame sua verdade, opere o convencimento, exija que ele se transforme em um de nós, diga pra ele que Deus pode salvá-lo, MAS NÃO SE ENVOLVA. Isso é a religião. Agora eu fico pensando: olhamos para aqueles cristãos de Jerusalem no primeiro século e achamos um absurdo as atitudes preconceituosas deles. Mas será que para além da etnia não estamos reproduzindo exatamente o mesmo padrão de comportamento religioso com relação aos “outros” que estão às margens do nosso universo religioso?

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