Coluna de Afa Neto: O MILAGRE É ESTÉTICO. #lsp
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Coluna de Afa Neto: O MILAGRE É ESTÉTICO. #lsp

Coluna de Afa Neto: O MILAGRE É ESTÉTICO. #lsp

Coluna de Afa Neto: O MILAGRE É ESTÉTICO. #lsp


Há uma fugacidade no milagre que nos escapa. E o milagre, para mim, é eminentemente estético. Quando me falam de milagre sempre procuro pela sua beleza. Se não houver beleza também não houve milagre. Não mais consigo me apegar ao espetacular. Pra falar a verdade, não sinto a menor atração pelo que foge à nossa capacidade de explicação. O que me fascina mesmo é a beleza que se expressa quando o divino resolve quebrar a nossa mesmice. Não me comove o fato inexplicável de um homem sepultado há quatro dias atender ao chamado de Jesus para sair do túmulo. O que me arranca lágrimas é imaginar as caras de felicidades de Maria e Marta ao verem o irmão voltar vivo para casa. O milagre é belo e como dizia o Lulu Santos “a beleza é mesmo tão fugaz”. Talvez por isso que vemos tantos milagres perderem a graça. Por não entendermos que sua função é não ter função alguma. Achamos que o milagre é para consertar, para reparar algo, quando na verdade ele se dá para embelezar o que estava feio. O verdadeiro milagre é aquele que torna mais bela uma dada realidade. E se o compositor estiver certo, transformar milagre em monumento é trair sua essência. Nossas construções nunca darão conta de prolongar por um mísero segundo que seja a beleza da irrupção do sagrado. Até porque o milagre é belo e a beleza é um encontro. Não há beleza fora do ser qua a experimenta num determinado momento e sob determinadas circunstâncias. Já ouvi dezenas de vezes a Nina Simone cantando Solitude e ainda hei de ouví-la outras tantas, mas nunca foi e nunca será comparável a este momento que escrevo com o fone de ouvido fazendo ressoar a sua voz singular. Das vezes anteriores foram outros encontros e das próximas serão ainda diferentes, mas o deste momento é único e irrepetível. Por um motivo simples: quem ouvirá será um outro Neto, em circunstâncias diferentes das atuais e, portanto, quem cantará será uma outra Nina. Quando ela cantar “In my solitude you haunt me…” o mundo já não será o mesmo. Tudo isso me faz lembrar de um episódio relatado lá no livro do Êxodo. Conta-nos que o povo de Deus, em meio a um deserto impiedoso e que lhe impunha a fome, foi suprido milagrosamente com um alimento que chamaram de “maná”. Todos os dias o milagre se renovava numa experiência única de beleza e cuidado divinos. Mas o povo incorreu na tentação de entender o milagre como solução para a fome e não como manifestação da beleza divina, e então pensou em estocá-lo. Qual não foi a surpresa de todos quando percebeu que o maná tinha estragado? Moral do episódio: o milagre é belo, a beleza é um encontro e cada encontro é único.

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