Dia das Mães: Crônica Alma de Flores da escritora Carlane Roque
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Dia das Mães: Crônica Alma de Flores da escritora Carlane Roque


Alma de flores


O cheiro das flores nunca foi para mim a melhor fragrância. Apesar de belas, de suaves, de delicadas, elas me reportavam sentimentos que eu não queria que fossem despertados, como a dor, a perda, a solidão, o vazio... É impressionante como que, ao longo da vida, os sentimentos, os pensamentos, os valores e os sentidos vão mudando. Coisas, detalhes, que necessariamente não tinham importância alguma em uma determinada época da vida, ganham peso, espaço, significado dentro de nós.

Fico pensando que a vida evolui mediante a uma “forma” chamada maturidade. Esse estágio engrandece a alma. O cheiro de flores, depois de algum tempo, traz outro significado para o meu olfato, remete-me saudade e falta. A falta de alguém que absolutamente ninguém é capaz de se colocar no lugar. Minha mãe! As mães são insubstituíveis! Elas deveriam ser eternas!!!

Cerco-me hoje de lembranças, de detalhes que me recordam e preenchem sua ausência. Lembro-me, que seu desodorante corporal predileto, não estava num frasco sofisticado, estava num vidro de plástico e de cor azul. Trazia um rótulo com uma imagem de uma jovem muito bela em meio as flores e nele estava escrito "Almas de flores". Ele estava na seção de supermercado como uma mercadoria muito irrisória, no sentido de qualidade e bom gosto. Não era o mais apreciado da seção de cosméticos na minha época. Mas, nem sempre foi assim. Na época da minha mãe, era a melhor fragrância, a mais desejada da vitrine de perfumaria. O banho antes de usar o desodorante corporal era quase um ritual. A forma de cuidar dos pés (ela dizia que os pés limpos revelavam ZELO), de pentear o cabelo frente ao espelho de moldura dourada que tinha pendurado na casa de meus avós, era simplesmente, um ritual de cuidado.

Nós, mulheres, temos por essência essa característica. Algo peculiar na natureza feminina. Um dos gestos mais bonitos de uma mulher, deveria ser o cuidado consigo mesma. Os gostos de minha mãe eram fora de contraste. Suas combinações de cores e estampas eram surpreendentes. Nossos olhos saltavam ao vê-la vestida com aquela variedade. Tudo tão exagerado!

Minha mãe não se importava com as tendências da moda. Ela se arrumava para si e desafiava qualquer estilista com seus gostos, "acabei de chegar ". Esplendorosa nos modelos e combinações que ela selecionava para usar em suas ocasiões, não era para chamar a atenção, mas porque se sentia bonita assim. Eu por diversas vezes quis mudar as roupas, o perfume, a fala e enquadrá-la num padrão de gostos. Que estupidez a minha! Agora entendo que jamais lhe faria bem. Minha mãe era feliz!!!

O seu perfume que outrora me enjoava, hoje me entoa um canto de saudade... Demorei a entender que não era apenas uma fragrância barata. Aquilo fazia parte de um ritual de amor a vida, que ela contava em seu corpo, em seu jeito de ser e de expressar. Para ela, a melhor fragrância e a mais pura! E na simplicidade daquele banho, a capacidade de revelar a própria alma. "Alma perfumada", que enfeita a vida de quem deve viver o mais puro odor. Quando fecho os olhos consigo sentir o cheiro de Alma de flores e ao passar pela seção de perfumaria do supermercado, apuro o olfato só para sentir de novo... e de novo... e de novo o cheiro da minha mãe. Como é especial essa recordação feliz que tenho em minha memória.

Realmente, como minha mãe deve ter muitas “almas” de flores nesse mundo, desordenado em seus afetos, nos padrões criados de sofisticação para os cosméticos, para a beleza e comportamentos. Alguém, pessoas que perfumam a própria alma e por consequência a alma de outros, que embelezam o ritual da vida no mais bonito do existir, que não se importam com etiquetas, fragrâncias caras, importadas, tal como mesa posta. São pessoas que vivem a essência da vida no desejo insano de apenas VIVER.

Lembrar da minha mãe com os meus sentidos é algo que transcende a minha alma e num cantinho da gaveta ela está lá, perfumando a minha memória através de uma fragrância. Não é a sua presença física. É o seu cheiro maternal que me acalenta, que me afaga chamada Alma de flores. Que o universo possa gritar por mais amor, por mais almas que amam e num suspiro profundo dizer:-Um pouco mais para a vida, por favor! -Um pouco mais de alma de flores!!!

Autora: Carlane Roque

Ilustração: Leonardo Bastos

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